ÉRICO NOGUEIRA - MARIO DOMÍNGUEZ PARRA


 

 



La secuencia de poemas «Deu Branco» (que traduje hace dos años y que se publicó en El perseguidor, nº 46, 21-05-2011) pertenece a Dois, segundo libro de poemas de Érico Nogueira (Bragança Paulista, 1979), poeta, ensayista y traductor brasileño, del que ya publicamos hace unos días un ensayo sobre su propia traducción al portugués de un soneto de Góngora.

    


DEU BRANCO (EN BLANCO)
 
 




1.

É sempre assim: bater o ponto de saída / e “ufa, até que enfim” e “hoje, só amanhã” / pensar picando a mula, o cérebro fervendo / e o ego semi-cheio da mão-boba a mais; / a rua até que tá bonita: o sol se põe, / a praia é uma promessa, mas um mal-estar, / o velho mal-estar de sempre, ameaça tudo, / insiste em ser imune a tudo o que tem sal; / a voz esgrouvinhada da rabeca (não, / não é hebraico, não) pendula pelo tímpano / assim como gangorra, e um soco no nariz, / mais outro soco, “ah, dã, dã, dã – dama da noite!”; / um vento chega, tu já quase em casa, e o bosque / em frente (sempre esteve ali?) chama o teu nome, / o nome de verdade, que não tem crachá; / lá bem lá em cima a lua luz sem dar por nada, / e desse nada tu no último degrau; / um frio, enfim, a cama quente: é sempre assim.
 

1.

 

Siempre es así: fichar a la salida
y «me voy por fin» y «mañana será otro día»,
al salir cagando hostias, el cerebro ardiendo 
y el yo algo harto de meter mano y ya está;
la calle incluso tan bonita: el sol se pone,
la playa es una promesa y una desazón,
la bella desazón habitual a todo reta,
insiste en ser inmune a lo que contiene sal;
la voz descuidada del rebab (no,
hebreo no es) hace que el tímpano se mueva
cual columpio, y un guantazo en toda la napia,
y otro guantazo, «¡ah, da, da, da, – dama de noche!»;
un viento surge, tú ya casi en casa, y el bosque
en frente (¿siempre estuvo allí?) dice tu nombre,
el nombre verdadero, que no tiene identidad;
allá bien lejos sobre la luz de luna sin dar
nada a cambio, y por nada tú en el escalón final;
frío, al final, la cama ardiente: siempre es así.

 


2.

Mas que dormir, que nada, é a vida na janela, / a via-láctea e tanta estrela que confunde, / um pisca aqui, pisca acolá, pra quem quer ver; / o que é que a noite dá, por que, ninguém entende, / foi Deus que deu, sei lá, talvez, melhor de dia / quando a cabeça faz, não pensa, e o mundo é mais; / agora, já sem luz, já sem barulho, é dose,  / e a vida é menos vida – ou mais –, é dose, eu disse, / alguém se levantar, querer ir ao banheiro / e, louco pelo espelho, ter colhão de olhar; / relógio de parede, espelho, alma penada / e tudo aquilo que ataranta e me esqueci, / vem só de noite, como alguém que não quer nada, / puxar teu pé, mané, sem dó de ti: levanta, / homem, levanta e encara, vai, olha de frente; / nada é tão feio assim, tão mau nem tão terrível / quanto um singelo sol de uma segunda-feira; / o escuro é bom, protege, o escuro é teu amigo.

 

2.

 

La vida es el hueco, más que el dormir, que nada,
la vía láctea y tanta estrella que confunde,
una pizca aquí, una pizca allá, para quien quiera ver;
lo que da la noche, por qué, nadie lo entiende,
fue Dios quien dio, qué sé yo, tal vez, mejor de día
cuando la cabeza hace, no piensa, y el mundo es más;
ahora, ya sin luz, ya sin barullo, es arduo,
y la vida menos vida – o más – arduo, dices,
alguien se levanta, quiere ir al baño
e, ido por el espejo, tiene huevos de mirarse;
reloj de pared, espejo, alma penitente
y todo aquello que ataranta y me escuece
viene solo de noche, como quien nada quiere
o arrastra el pie, inepto, sin piedad de ti: en pie,
hombre, en pie, y da la cara, venga, mira de frente;
así nada es tan feo, malo ni terrible
como el sencillo sol de un lunes;
lo oscuro es bueno, protege, lo oscuro es tu amigo.

 


3.

Dizer “yo tengo miedo” ou “no, no puedo, gracias” / não vai salvar-te por estar em espanhol, / não vai mudar bulhufas: sim, tá sim chovendo / e tu parado aí, com tudo por fazer, / pensando – logo tu – “sou um torrão de açúcar”; / sair de casa, então, que outro remédio, e ali / na esquina “um táxi, um táxi, um táxi” é como um mantra / até que um táxi passa, “aonde?”, “aeroporto”; / “pra Roma agora”, “o próximo demora ainda, / Atenas serve?”, “agora?”, “neste mesmo instante, / embarque imediato e, ah, incondicional”, / “ah, sei, internacional”, “cada um ouve o que quer”, / (“mulher maluca”), (“otário”) “por aqui, senhor”; / aqueles versos alemães ’tão na maleta: / é só abrir e ver o mar socando a escarpa, / e aquele monte, ou aqueloutro, de coroa / de neve na cabeça, e muita uva e o brilho / da Grécia de presépio desses alemães. 

 

3.

 

El decir «yo tengo miedo» o «no, no puedo, gracias»
no te va a salvar por estar en español,
no va a cambiar un carajo: sí, sí está lloviendo
y tú estático ahí, con todo por hacer,
pensando – justo tú – «soy un cacho de pan»;
salir de casa, entonces, qué remedio, y allí
en la esquina «un taxi, un taxi, un taxi» cual mantra
hasta que pasa uno, «¿Dónde?» «Al aeropuerto»;  
«ahora a Roma», «el próximo se retrasa aún,
¿sirve Atenas?», «¿ahora?», «en este momento
exacto, embarque inmediato y, ah, incondicional»,
«ah, vale, internacional», «cada uno oye lo que quiere»,
(«chalada»), («necio»), «por aquí, señor»;
aquellos versos alemanes están en la maleta:
es abrirla y ver el mar golpear la escarpa,
y aquel monte, o aquel otro, con aureola
de nieve en la testa y mucho encanto y el brillo
de Grecia en el establo de esos alemanes.

 


4.

Presépio mais bonito, visto do avião; / presépio? ah, bem, antes salão que já foi rico / – tapete azul, móveis de mogno, algum marfim –, / meio esquisito e, o que é pior, todo antiquado; / “é tanta gente que não pára de existir” / concluo, em inevitável colisão com a rua, / e nem “Tucídides... forjou obra imortal” / pode esfriar-me a cuca, não; alugo um carro, / vou dirigindo desligado das ruínas, / caindo em mim (e num buraco) já bem longe / de Atenas e a seção de estátuas telefônicas; / “eu falo grego – ao menos li todo o Cavafy; / não vai ser fácil sem estepe, sem destino, / mas eu vou ter que me virar”, ando umas horas / até topar com um telefone, e a voz humana, / caso disponha de um contrato que a sublime, / volta a ser mágica outra vez, diz “fiat lux” / e a luz já vem, ou, se na Grécia, não tão já.

 

4.

 

Establo tan bonito, a vista de pájaro;
¿establo? ah, bien, más bien sala, que ya soy rico
– paño azul, muebles de caoba, uno de marfil –,
algo exquisito y, lo que es peor, obsoleto;
«y tantos que no dejan de existir»
concluyo, en forzosa colisión con la calle,
y ni «Tucídides…forjó una obra eterna»
puede refrescarme el tarro, no; alquilo un coche,
voy conduciendo y me desentiendo de las ruinas,
mientras desciendo en mí (en un hoyo) bien lejos ya
de Atenas y su estatuaria telefónica;
«yo hablo griego – al menos leí todo Kavafis;
no va a ser fácil sin la estepa, sin destino,
pero voy a tener que regresar», ando unas horas
hasta dar con un teléfono, y la voz humana,
si dispone de un contrato que la enaltezca,
vuelve a ser mágica otra vez, dice «fiat lux»
y ya viene la luz, o, si en Grecia, no tan pronto.

 


5.

“Vai pra Delfos” – um sino, um martelo, sei lá, / ou um encosto, atacava sem trégua, moía / a cabeça, e “aspirina, meu Deus, por favor / aspirina”, abro o vidro vazio, fecho o vidro, / “eu tô louco”, o remédio: poesia alemã; / leio enquanto dirijo – uma noz, a palavra, / alvorece, avermelha na boca da pítia, / e do invólucro duro não dá pra escapar, / nem da hepatotomia –, tá bom, tô melhor; / sempre fico melhor perto desse alemão; / chego a Delfos; inverno; bem poucos turistas; / uns ciprestes, terreno rochoso, montanhas, / cinco meias-colunas, ou seis, muita pedra / e uma imensa vontade de ter um porquê; / “o melhor, água pura, mas ouro, de noite, / como fogo fervendo arrebata, supremo...” / – bom agouro, talvez: uma águia bem longe, / uma brisa soprando o segredo que esconde.

 

5.

 

«Va a Delfos» – una campana, un martillo, qué sé yo,
o un espectro, atacaba sin tregua, movía
la cabeza, y «Dios mío, una aspirina, por favor
una aspirina», abro el frasco vacío, cierro el frasco,
«estoy loco», solución: poesía alemana;
conduzco y leo – nuez, la palabra,
amanece, enrojece la boca de la pitia,
y no da para evadirse del caparazón,  
ni de la incisión hepática –, vale, estoy mejor;
siempre me restablezco cerca de ese alemán;
llego a Delfos; invierno; muy pocos turistas;
unos cipreses, terreno rocoso, montañas,
cinco o seis columnas derruidas, mucha piedra
y una inmensa voluntad de obtener un porqué;
«lo mejor, agua pura, además oro, de noche,
como fuego ardiendo arrebata, supremo…»
– un buen augurio, quizás; un águila bien grande,
una brisa que exhala el secreto que esconde.

 


6.

Tanta página branca, papel de primeira, / que se picha, profana, polui com detrito; / “é um rapaz de talento, polido, estudado, / mas não sabe o que faz com isso tudo que tem”; / nunca eu soube por que: teve tanta cidade, / com farol e colosso e mais biblioteca, / que ruiu, pegou fogo, afundou, o escambau, / e fizeram de novo: fizeram pra quê? / “pra viver, animal, é o que basta” – não é; / sabe, a mula tá viva, e ninguém quer ser mula, / e o problema é bem esse; pra cima e pra baixo / e pros lados também vou medindo a ruína, / e o segredo que escuto (ou ao menos suponho) / não comove a dureza de ser pedregulho; / hoje o homem não nasce com o signo na testa, / mas com o rabo virado pra lua; anoitece; / tomo o rumo do albergue, onde tantos cuidados / se dissolvem no odor de sabão dos lençóis.

 

6.

 

Tanta página en blanco, papel de primera,
que se critica, profana, infecta con detritos;
«es un muchacho con talento, pulido, culto,
pero no sabe qué hacer con lo que posee»;
nunca comprendí por qué: tantas ciudades hubo,
con faros y colosos y más bibliotecas,
que cayeron, ardieron, se hundieron, o cambiaron,
ojalá se rehagan: ¿rehacerse para qué?
«cernícalo, para vivir, es suficiente» – ¿no?
sabe, la mula vive, y nadie quiere ser mula,
y ése es el problema; por encima y por debajo
y por los lados también voy midiendo la ruina,
y el secreto que escucho (o me imagino al menos)
no conmueve la dureza de ser pedregullo;
hoy no nace el hombre con el signo en la testa,
sino con el rabo hacia la luna; anochece;
tomo la senda del albergue, donde tantos miedos
se disuelven en el perfume de las sábanas.

 


7.

Roma, enfim – chego bem, só que tarde demais; / estátua e praça e tudo não como o esperado / (o mundo é tão certinho na fotografia); / ouço “Deus mora ali, bem ali, logo além”, / mas, olhando o tamanho da fila, meu Deus, / é bom ficar de fora; um giro na cidade / e outro giro e eu já tonto e o que é miraculoso: / neva; sim, neva em Roma e no meu paletó; / tá todo o mundo tão cansado por aquí / que até me contamina: “agora, eu mal te digo / o que não sou e o que não quero”, e mais não dá; / isso, a vida, não cabe na boca, ah, não cabe; / olho um velho, acho, o dono de certa enoteca / onde entro ao acaso: a garrafa de um litro / não agüenta a medida de um litro, o volume; / “que cena estúpida”, vou logo dando o fora, / “pra que poeta”, exclamo então, “pra falar disso?” / e algo não entra, não encaixa e não resume.

 

7.

 

Roma, al fin – llego bien, solo que a última hora;
estatua y plaza y todo no como esperaba
(la fotografía orienta tanto el mundo);
oigo «Dios habita allí, allí mismo, ya más allá»,
pero observando la extensión de la cola, Dios,
mejor me quedo fuera; una vuelta por la ciudad
y otra vuelta y ya me entontezco, y lo milagroso:
nieva; sí, nieva en Roma y sobre mi chaqueta;
está todo el mundo por aquí tan exhausto  
que hasta me infecta: «ahora, tan pronto te digo
lo que no soy como lo que no quiero», y no va más;
eso, la vida, no cabe en la boca, ah, no cabe;
oigo a un viejo, creo, el dueño de una cava
en la que entro al azar: la garrafa de un litro
no resiste el volumen, la medida de un litro;
«escena ridícula», ahora a tomar por culo,
«¿para qué poeta?», grito luego, «¿para asentir?»
y algo no entra, no encaja y no simplifica.

 
 


8.

a Carlo Eugênio Nogueira

“No dia do Juízo” – mas que coisa louca, / apocalipse não combina com Pompéia, / ou, se combina, insisto em não saber; é calmo, / é incrivelmente calmo, um deus fuma o Vesúvio, / passear por Pompéia, os afrescos, é lindo; / “que engraçado: eu saí na loucura, nem chefe / nem mãe sabe onde é que diabos eu tô, / esqueci foi de tudo; amanhã, amanhã eu / resolvo” – o sol, além do mais, o verde, o azul / e aquele ao vivo do Pink Floyd (foi bem ali) / dão vontade de gritar, não sei, chover / em tudo e então secar grudado em tudo, e assim / ser líquido e gasoso e sólido uma vez; / chego a Nápoles – que chega ao mar em escarpas / meio abruptas, parece um pouco Salvador – / e me sinto feliz, é a cidade, ou sou eu; / “pedra-pomes, preciso de ti, pedra-pomes, / pro meu pé fazer jus a um sapato italiano”.

 

8.

                                                                    a Carlo Eugênio Nogueira

 

«En el día del Juicio» – pero vaya locura,
apocalipsis no combina con Pompeya,
o, si ha lugar, insisto en no saber; tranquilo,
un dios se fuma increíblemente el Vesubio,
es hermoso pasear por Pompeya, los frescos;
«qué gracioso: salí como loco, ni mi jefe  
ni mi madre saben dónde demonios me encuentro,
olvidé ir, por completo; mañana, mañana lo
resuelvo» – asimismo, el sol, verde o azul,
es el del concierto de Pink Floyd (fue allí mismo)
dan ganas de vociferar, ¿no?, de desbordarse
y luego secarse en todo fusionado, y así
ser líquido y gaseoso y sólido a la vez;
llego a Nápoles – que llega al mar en escarpas
medio-abruptas, algo me recuerda a Salvador –
y me siento feliz, es la ciudad donde soy yo;
«piedra pómez, urges, piedra pómez,
para que mi pie merezca un zapato italiano».

 


9.

Agora, da janela deste táxi, Roma / tão viva, tão urgente, tão imprescindível / que nem a ciência das separações, que é russa, / pode ajudar um pouco, se é que um dia pôde; / então pago e já saio correndo, o meu vôo / tá em cima, eu vou ter que embarcar, “com licença”, / “com licença” de novo, aeroporto lotado / e um embarque a um só tempo tão longe e tão perto; / enfim embarco “tudo certo, agora tudo / certo” – a não ser o teu livrinho, tá no táxi, / verso alemão que para sempre vai rodar / por Roma, ah, vai, embora quase ninguém note; / “monumento mais duro que o bronze” – que nada; / mas à luz que se acende num lábio, saliva / que se apaga num outro, e é tão limpa, e é tão doce, / o teu olho derrete então vê, só um momento, / onde a polpa da noz; vou dormir; amanhã / bater o ponto de saída, belo fim. 

 

9.

 

Desde la ventana de este taxi, Roma ahora
tan viva, tan acuciante, tan imprescindible
que ni la ciencia de las despedidas, que es rusa,
puede ayudar un poco, si es que algún día podrá;  
entonces pago y ya salgo corriendo, mi vuelo
va a despegar, tengo que embarcar, «me permite usted»,
«con permiso» de nuevo, aeropuerto lleno
y un embarque a la vez tan largo y tan cercano;
al fin embarco «todo cierto, ahora todo
cierto» – menos tu librito, está en el taxi,
verso alemán que por siempre deambulará
por Roma, ah, vete, casi nadie se percatará;
«monumento más sólido que el bronce» – que nada;
pero la luz que en un labio prende, saliva que 
se apaga en otro, es tan limpia, tan dulce
que tu ojo se derrite en cuanto la ve, un momento,
donde la pulpa de la nuez; voy a dormir; mañana
iré al punto de partida, hermoso final.



© De los poemas originales: Érico Nogueira
© De la traducción y la nota introductoria: Mario Domínguez Parra

 

Comentarios

Entradas populares